CAPÍTULO 4

O caminho até a casa de Fábio foi um verdadeiro monólogo. O silêncio de Geovane contrastava com a tagarelice do amigo. Ele falou sobre a brincadeira com Raymara, sobre a última surra que levou da mãe, sobre a vez que ficou mais de uma hora escondido no banheiro da escola para não ser visto pelos valentões e, é claro, sobre o trabalho de história.

Quando finalmente chegaram ao seu destino, Fábio virou-se para se despedir do amigo e, para sua surpresa, Geovane, finalmente falou.

– Fábio, preciso te mostrar uma coisa.

Fábio olhou sério para o amigo. Seu comportamento foi estranho por todo o caminho mas, agora, ele estava ainda pior.

Geovane enfiou a mão por dentro da caminha, na parte de traz. De lá, retirou um livro com capa dura preta. Nela, não havia nada escrito, a não ser uma espécie de relevo, que o garoto não conseguiu identificar o que era.

Foi Geovane quem quebrou o silêncio.

– Eu peguei esse livro naquela pilha que estava na mesa, na biblioteca. Na sala onde encontramos minha irmã.

– Isso é mentira. Eu vi na saída. Você pegou apenas três livros de história. E também, esse livro não tem o carimbo da biblioteca. Ele veio de outro lugar.

– Você não entendeu. Quando vocês saíram, eu o enfiei embaixo da camisa e o trouxe até aqui. Você é o primeiro que sabe o que eu fiz.

A fala de Geovane não explicava o porquê de o livro não ter o selo da biblioteca mas, de qualquer forma, não muda o fato de o amigo ter roubado um livro. Fábio pensou um pouco, para digerir o que tinha ouvido e, então, perguntou:

– Então... você roubou o livro... da biblioteca?

O amigo fez que sim com a cabeça. Fábio jamais imaginou que ele fosse um ladrão. Aliás, tinha certeza de que não era. Mas aquilo, definitivamente, tinha sido roubado.

– Você tem que devolver este livro, Geovane.

Geovane olhou para o chão. Pensou um pouco no assunto e, então, pareceu confuso ao responder.

– Eu não sei porque peguei este livro. Eu apenas peguei. Pareceu a coisa certa a fazer.

Os dois sentaram-se no chão, com as costas apoiadas no muro da casa de Fábio. Geovane abriu o livro, em uma página já próxima do fim. Ela estava em branco.

– Um livro em branco? Isso está errado.

O comentário do amigo fez todo o sentido para Geovane. Que abriu o livro em outro ponto, mais no início e, então, encontrou um texto, em formato de lista, que não conseguiu identificar o que era. Os símbolos pareciam com o relevo da capa, mas em cada linha estavam símbolos diferentes.

Ele continuou passando páginas até que, finalmente, encontrou letras compreensíveis. Era uma lista de nomes, escritos com o alfabeto familiar aos meninos. Havia George, Jhon, Gilbert, Elizabeth e vários outros.

A lista seguia até que acabava abruptamente, na quarta linha de uma página. Os últimos quatro nomes eram Bruce, Sofia, Elza e Samuel. 

– Isso está mais para um caderno que para um livro –, disse Fábio, completando, – devia ser da moça que estava na sala antes de a Raymara entrar.

Geovane lembrou-se que a irmã mais nova havia dito que vira uma moça sair da sala, antes de ela própria entrar. Se o caderno fosse dela, estava explicado porque não havia o carimbo. Ele considerou imprudente a moça misturar um livro seu com tantos outros da biblioteca. De qualquer forma, isso não mudava o fato de que ele havia pego algo que sabia que não era seu.

– Eu preciso devolver a ela, né?

– E pedir desculpas –, completou Fábio.

Se fosse somente devolver, tudo bem. Ele poderia ir até a biblioteca, esperar a mulher sair da sala, e enfiar o livro no meio dos outros. Devolver e pedir desculpas já seria mais complicado, afinal, ela saberia que ele, deliberadamente, apropriou-se do livro. Todos ficariam de olho nele quando precisasse ir lá novamente.

Por outro lado, se ele enfiasse o livro no meio de tantos outros que estavam na mesa, ela poderia não encontrá-lo. Assim, ele poderia ter o mesmo destino dos demais que, se Fábio estivesse certo, seriam descartados. Enquanto Geovane ainda pensava nas possibilidades, Fábio rompeu o silêncio.

– Sabe... pegar um livro não faz de você uma pessoa ruim. Todos cometem erros. Eu quero dizer... você não é pior, por exemplo, que o pessoal que fica na saída da escola espancando outros alunos. Você é uma pessoa boa e eu sou seu amigo. Se você não contar, eu também não conto. Só não faça de novo, certo?

Sem palavras, Geovane se levantou e, finalmente, sorriu. Agradeceu o amigo pela compreensão e foi embora. No caminho, ainda olhou para trás e viu Fábio ainda o observando. Não sabia se devolveria ou não o caderno mas, de qualquer forma, ficou feliz de não precisar guardar o segredo sozinho.
Enquanto isso, em casa, sua mãe o aguardava.

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